quarta-feira, 4 de maio de 2011

Conversa de botequim.

     " Ninguém se atreve a dançar quando há sinais de tempestades no ar. Há uma cacofonia nos sons de folhas varridas pelo tornado de um ventilador de teto. O arrastar de cadeiras e uma porta de metal que geme às minhas costas fazem o contraponto sonoro. Garrafas brindam quando são ajustadas no congelador do balcão. Sons articulados de uma orquestra desafinada. Uma Babel sem dicionários. Um convite para ocupar o lugar que me cabe."

     " Por aqui, as canções não são iluminadas pelo sol. Olhar a cidade me acalma, desde que o fogo de incêndios criminosos não me firam as retinas. A intrusão da luz solar pelas frestas quadriculadas do bar é recebida por um ranger coletivo de dentes e olhares já desprovidos de mistério. E soluços estragam minha garganta. Decotes deixam de ser convites. Calcinhas se desmancham e escorrem por entre as pernas das mulheres como menstruações coloridas. Carruagens buzinam como relinchos de centauros apressados. O vinho se transmuda em água insalubre contrariando o milagre original. O último gole se recusa ao afogamento. Clarice acorda de um sonho tuberculoso. E não existe vacina para a epidemia de paus murchos e resmungos com mau hálito."
                                            
                                     Ensaio de Orquestra, menção honrosa no concurso de contos
                                     Newton Sampaio, categoria nacional, 2006.

     A mesa se localiza num ponto do salão onde eu possa ter uma visão panorâmica e a parede mal cuidada às minhas costas. A música ambiente é ruim o suficiente para não me incomodar. Meu copo pela metade bem como a garrafa de club soda. Evito buscar significado na simetria. Ao invés, encho o copo, bebo um gole generoso e quebro no dente uma pequena pedra de gelo. A cadeira em frente à minha insinua convidados que não posso ter certeza se serão bem vindos ao meu latifúndio.

     Ela entra, cercada de convivas. Striper de uma casa noturna e minha leitora fiel. Me cobra um novo livro cada vez que me vê. E pede que eu escreva alguma coisa dedicada a ela. E toda vez digo a ela que a história já está pronta na minha cabeça e que o título é Doente, Morena, título de uma música do Gil com o Duda Machado. E o pior é que a idéia da história se delineou quando vi o filme Encontros e Desencontros de Sofia Coppola. E o pior é que ainda não escrevi uma linha. Só algumas imagens passam pela minha cabeça de vez em quando. E o melhor é que a vejo muito pouco.

     Ela me vê, vem até mim e deposita um beijo casto nos meus lábios sem me cobrar nada.

                                              continua no proximo capítulo.

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