terça-feira, 3 de maio de 2011

Coisas do mundo minha nega.

     Pro Chico, basta um dia para desatar fantasias. Pra mim, uma noite de insônia é tempo suficiente para criar labirintos de livros não lidos, filmes não vistos, no exíguo espaço entre o quarto e a sala, e eventualmente a cozinha para um chocolate quente e uma fatia de broa de fubá.

     Na folha de rosto do caderno de anotações o calendário cumpre seu papel de me lembrar quando e onde estou. Com o dedo, atravesso os dias até uma determinada data. Dali, daquela efeméride ainda por vir, seis décadas atrás Dona Maria fazia força para me expulsar do paraíso aquático, silencioso e aconchegante onde eu era ainda peixe.

     Inevitável não pensar sobre o tempo que oxida meu sangue, sobre espelhos borgeanos que multiplicam as marcas de batalhas de meu rosto cansado, sobre minha imortalidade estampada nos traços de minha neta.

     Do outro lado do mundo, cães ladram para a lua, imitando lobos.

     Abro o arquivo do meu próximo livro. O último de uma trilogia. A mesma frase está lá, imóvel como as pirâmides. Há seis meses ela espera que eu dê um fim à sua solidão de ser única. Me delete, ela diz, ou me multiplique para que o mundo possa fazer sentido. Me faço de surdo como os covardes se fazem de morto antes mesmo do calor da batalha.

     " As esquinas do mundo me pertencem". Primeira e única frase do Livro 1 de uma trilogia.

     Hoje à noite nem o canto das sereias de Ulisses será capaz de me acordar. E espero sonhar com a frase seguinte que me dará a chave do labirinto. A partir daí, andarei pelas ruas como se dançasse.

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